Em Novos Ritos, Novos Mitos, saído em 1965, o crítico e filósofo Gillo Dorfles declara a ficção científica, entre as diversas formas de arte para as massas, como aquela que soube englobar um maior número de «constantes de época» e torná-las evidentes. Não sei se, meio século depois, podemos continuar a dizer isto de uma forma tão absoluta, mas parece hoje ainda mais claro, com a voga das grandes sagas para o cinema ou para a televisão, que existe uma dimensão em histórias e personagens de ficção científica, como parte de uma fantasia épica, que entraram nas nossas vidas e dão sentido a um certo lado do nosso imaginário partilhado. Tão saturado de realidade, tão esvaziado de propostas mobilizadoras, e por isso tão carente de um universo paralelo no qual possamos projetar a eterna luta entre o bem e o mal. É isso que faz com que, por exemplo, tantas pessoas estejam a tomar quase como uma perda pessoal a morte inesperada de Carrie Fisher, desde 1977 a Princesa Leia Organa da saga A Guerra das Estrelas. Por cuja libertação das mãos das forças imperiais comandadas por Darth Vader, Luke Skywalker e o capitão Han Solo tanto tiveram de lutar logo no primeiro episódio. Afinal, tratava-se de alguém indispensável para ajudar a restaurar a liberdade e a justiça na galáxia e esta é uma missão que muitos de nós considera essencial no mundo de verdade.
A Síria e as «realidades imaginadas»
Passada a fase de relativa acalmia que se seguiu à queda do Muro de Berlim e à derrocada das experiências do «socialismo realmente existente», quando o equilíbrio internacional assente num mundo bipolar pareceu dar lugar a uma ordem de sentido único, é hoje percetível que estamos de regresso a um clima de Guerra Fria. Este não repete o anterior, mas replica alguns dos seus mecanismos caraterísticos. Destaco três: a divisão entre duas áreas de influência política, polarizadas nas potências com maior capacidade político-militar; o papel da propaganda e da contrapropaganda neste processo de separação, em particular nos conflitos que envolve; e a presença de séquitos de sectários que propagam os pontos de vista de cada um dos lados, servindo os seus interesses estratégicos.
É bem visível nova divisão do mundo em áreas de influência. A presença global dos Estados Unidos e da Rússia, da sua ativa diplomacia e da sua elevada capacidade de intervenção, é claramente percetível, não sendo modulada por forças de natureza democrática com capacidade para erguer áreas libertas da sua interferência. A União Europeia tem sido, aliás, um catavento em posição de subalternidade face a Washington. A China tenta interferir em algumas políticas regionais e funciona, no atual mapa, como um fiel da balança que tenta conquistar o máximo neste papel. Já os setores irredentistas do Islão intervêm como fator desregulador, funcionando, nas áreas nucleares, como justificação para o reforço do Estado, a corrida ao armamento e o crescimento dos sistemas securitários. Entretanto a democracia definha, presa numa tenaz cujos braços são o medo e a desinformação. ler mais deste artigo
Mentira, nostalgia e melancolia
Passados os dias que se seguiram ao desaparecimento mais ou menos esperado de Fidel Castro, em que foram propostas interpretações do seu papel histórico muitas vezes opostas e quase sempre pouco racionais, regresso ao assunto para olhar justamente alguns dos rostos que tomou esta irracionalidade. Para o fazer, recorro a três conceitos que, na sua relação com diferentes modos de observar a vida e a intervenção pública do líder cubano, refiro aqui de uma forma inevitavelmente concisa e parcial. A cada um associo uma diferente proposta de leitura, que vivamente recomendo a quem se interesse por estes temas.
O primeiro conceito é o de «mentira». Falei em crónica recente da «pós-verdade», sobre a qual Ralph Keyes publicou em 2004 o livro The Post-Truth Era. Para Keyes, vivemos um tempo de manipulação da verdade, no qual aquilo que se diz tem mais valor do que a realidade à qual supostamente se refere. Isto leva a uma constante deturpação ou mesmo à invenção de factos, fazendo passar a mentira por verdade. Foi em parte o que aconteceu com a identificação liminar, por estes dias repetida como um mantra, de Fidel como ditador. Se observarmos a forma autocrática como por mais de quatro décadas exerceu o poder, o regime de partido único sem eleições realmente livres, a censura e a informação controlada, a polícia política, as prisões e execuções por oposição ou dissidência, o qualificativo será adequado. Mas a direita serve-se indevidamente dele, usando-o para demonizar uma experiência histórica que, em anos de constante apoio da política externa norte-americana a ditaduras sanguinárias espalhadas por toda a América Latina, funcionou para milhões como fator de esperança e um importante exemplo emancipatório. Por isso essa «verdade», vinda, ademais, de uma área política na qual a luta pela liberdade sempre esteve longe de ser uma prioridade, se funda na ocultação, produzindo, de facto, uma mentira. ler mais deste artigo
Um silêncio inconveniente
A esquerda, e em particular aquela que não separa os princípios da solidariedade e da igualdade dos direitos, centrais na definição da sua matriz política, da defesa da liberdade individual e das diferenças de opinião como expressão indiscutível de uma democracia sem adjetivos, vive hoje tempos bem difíceis. Por todo o lado, encontramos um regresso à naturalização da desigualdade, uma revisitação dos nacionalismos mais ferozes, um retorno da xenofobia e do racismo, bem como o recuo das conquistas sociais obtidas em dois séculos de luta operária e popular e de combate por uma cidadania plena.
A direita alimenta estas tendências negativas de uma forma eficaz, servindo-se da crise económica, da instabilidade que esta traz, do desemprego, do terrorismo, do medo, da ignorância, do controlo da informação, para se apropriar do poder por via democrática e instaurar políticas autoritárias, sob a promessa de tudo resolver a partir de uma posição de força. Diante deste cenário, a esquerda, envolvida nas suas contradições e inapta para projetos capazes e mobilizadores, tem-se remetido a uma posição defensiva, de resistência, que só aqui e acolá vai passando pelos caminhos de aproximação que durante largas décadas quase sempre rejeitou. As lições sobre as consequências do divisionismo, oferecidas nos anos 30 pela ascensão do nacional-socialismo na Alemanha e pelo triunfo do golpismo franquista em Espanha, vão sendo invocadas pelos que pretendem evitar que a história se repita. ler mais deste artigo
Essa verdade a que temos direito
«Pós-verdade». O termo terá sido cunhado em 1992 pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich e em 2004 Ralph Keyes usava-o já para identificar uma certa «era da desonestidade e do engano», mas foi ao longo deste ano que surgiu por todo o lado, em artigos de jornal, programas de televisão, posts das redes sociais e até debates académicos. «Vivemos um tempo de pós-verdade», diz-se a propósito da dinâmica que tem feito com que os factos objetivos – aquilo a que geralmente se chama «verdade» – tenham menor influência na formação da opinião pública e nos resultados das eleições que os apelos emotivos, as opiniões subjetivas, os boatos ou mesmo as mais despudoradas mentiras. Refere-se também a um sistema de comunicação no qual a «notícia» vale por si, pelo impacto que gera, pelo número de leitores que atrai, pelo volume de publicidade que gera, e não pelo caráter isento, completo e autêntico da informação que oferece. ler mais deste artigo
Será isto ou nada, a Europa
O uso da força como instrumento da autoridade política é uma das experiências mais antigas das sociedades humanas. Porém, terá sido apenas em 1879, ao rebater em livro algumas ideias do filósofo alemão Eugen Dühring – defensor de uma variante de socialismo de pendor moral, concorrente com a marxista –, que Friedrich Engels considerou a violência a «parteira da História». Por si tomada como fator decisivamente dinâmico da origem e do desenvolvimento das sociedades. Porém, o amigo e correligionário de Marx não se referia apenas à guerra, invocando também os outros processos de afirmação da ordem política impostos pela coação e pela ameaça, projetadas sobre os poderes menores e sobre os povos subjugados, ou então por estes invocados. Um processo necessário, aos seus olhos, para substituir o velho pelo novo, sempre no quadro da luta de classes. ler mais deste artigo
«Like a complete unknown»
Longe de ser consensual ou de causar indiferença, a escolha do Nobel da Literatura deste ano tem suscitado reações extremadas, algumas um tanto irracionais. Ainda bem que assim acontece, pois não é todos os dias que tantas pessoas, incluindo-se nestas algumas que pouco ou nada se interessam realmente por literatura, e mais em particular por poesia, exercem o seu direito a pronunciar-se sobre a justeza ou a desrazão de um prémio desta natureza. Nas redes sociais, onde o repentismo e a facilidade da escrita são um microfone aberto, essas opiniões têm sido particularmente ferozes.
Em boa medida por razões geracionais, fiquei feliz com a escolha. Bob Dylan – ou melhor, os diversos Dylan de um trajeto obstinado e sinuoso – tem, sem dúvida, um lugar fulcral na banda sonora e na educação poética da minha vida. Além disso, sempre fui dos que valorizam tanto o texto quanto a música das canções nas quais reparam e de que gostam. Mas tal não significa que tenha julgado a opção do Comité Nobel necessariamente a melhor. Se me pedissem antes para escolher vinte candidatos ao prémio, talvez não colocasse lá Mr. Zimmerman, mas isso aconteceria também com a muitos dos autores premiados pela academia sueca. O que me interessa aqui é outra coisa: qual o motivo que levou a decisão a paroxismos de análise e à exaltação dos ânimos? Respondo centrado em dois aspetos. ler mais deste artigo
Da função social do palavrão
Nunca fui de usar a torto e a direito a palavra de baixo calão, vulgarmente conhecida por palavrão. E não é por qualquer vestígio de moralismo puritano, que não possuo de todo, ou com medo de pecar por palavras e me ver inexoravelmente destinado ao Purgatório das almas. Faço-o apenas ocasionalmente, quando me zango mesmo com alguma coisa ou quando entalo algum dedo numa porta ou gaveta. Por vezes, também, quando estando sozinho posso dar largas, sem incomodar os outros, à impaciência ou ao desespero. No entanto, como vivo neste mundo e não entre anjos, é claro que passei por períodos em que tive de abrir mão dessa ginástica de contenção, e me vi a «falar como um carroceiro» (já quase não existem carroceiros por estes lados e por isso não estarei a ofender alguém). ler mais deste artigo
Alepo e a culpa
A propósito da guerra, escreveu Karl Kraus (1874-1936) no jornal A Tocha: «De início um dos lados espera vencer; depois o outro espera que o inimigo perca; de seguida cada um queixa-se daquilo que está a sofrer; no final, ambos percebem que todos perderam.» A guerra é sempre iníqua e dolorosa, mesmo quando se afigura justa para um dos lados, ou até quando parece explicável, necessária e de alguma forma regeneradora. A luta dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial, as guerras de emancipação do domínio colonial ou aquelas que visaram o derrube de ditaduras, seguem esta linha justa, mas nem por isso foram ou serão belas. ler mais deste artigo
Em Setembro, de novo
É tão certo quanto a queda das folhas dos plátanos: a meio de Setembro as praxes universitárias regressam à rua e ao debate público. Assanhando ânimos em proclamações de completa recusa ou, mais raramente, de acanhado aplauso. Desta vez, porém, isto acontece com um impacto acrescido. Em parte, devido à posição assumida pelo ministro da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior, que a transformou em prescrição remetida aos responsáveis dos estabelecimentos do ensino público. Mas também porque a observação da realidade impõe um novo olhar. O tema já cansa um tanto, mas o ruído é tal que, como proclamava o refrão da velha canção, «não podemos ignorá-lo».
E porque não? As razões mais aduzidas para justificar o interesse insistem nos abusos que não podem ser ignorados ou permitidos, seja em nome de que «tradição» for. Aliás, embora mais em algumas escolas ou cidades que noutras, as praxes surgem sem alicerce histórico real, são muitas vezes inventadas e reguladas por «comissões» que vivem na sombra, e têm-se afirmado demasiadas vezes como práticas perigosas, conduzidas quase sempre por alguns dos piores alunos das academias e na margem da intimidação ou do crime. ler mais deste artigo
Os poderes da história (e dos historiadores)
Nota de leitura de Julián Casanova, publicada na Babelia de 17 /9/2016, da recém-saída edição em castelhano de The History Manifesto, de Jo Guldi e David Armitage, publicado em 2014. A edição original, em inglês, revista em 2015, está disponível aqui: http://historymanifesto.cambridge.org/files/6114/1227/7857/historymanifesto.pdf
«Um espectro ronda a nossa época: o espectro do curto prazo». Assim começa o manifesto pela história de Jo Guidi e David Armitage. Neste momento de crise acelerada, quando enfrentamos problemas gigantescos, verifica-se, segundo estes historiadores, uma escassez de «pensamento a longo prazo». Os políticos não olham para além das próximas eleições e a mesma estreiteza de visão afeta as administrações das grandes empresas e os líderes das instituições internacionais. ler mais deste artigo
O «menino de Alepo» e as leituras enviesadas
Já estava um tanto admirado por não aparecer de imediato algo que pudesse denegrir a imagem perturbante e icónica do «menino de Alepo» e servisse de defesa do governo sírio de al-Assad, o suposto herói da luta anti-imperialista, bem como dos seus aliados russos. Vindo daquele setor da opinião para o qual todo o mal de um mundo muito simplificado e apenas a dois tons tem como responsável e beneficiário único e exclusivo os Estados Unidos da América, financiador ultraconsciente e contumaz da Al-Qaida e do Daesh.
Um juízo que não iliba, obviamente, sucessivos governos norte-americanos de políticas desastrosas, erradas e danosas no Médio Oriente que alimentaram de facto os grupos islamitas, é verdade, mas que é perigosamente redutor. É óbvio também que aquela fotografia foi usada como uma ferramenta de propaganda, como tem acontecido em todas as partes e em todos os conflitos pelo menos desde a Guerra da Crimeia de 1853-1856. Mas a desmontagem que dela se está a fazer pode atingir proporções insólitas. ler mais deste artigo
A Europa e a Turquia, agora
Há séculos que a existência do Império Otomano, e mais tarde da Turquia, representa uma fonte de temores e de problemas para a Europa. A expansão do seu território no final da Idade Média, traduzindo um avanço do Islão e de um modelo de sociedade totalmente diverso do instalado nos reinos e Estados cristãos, assustou milhões de europeus ao longo de gerações, e convém lembrar que, não fora a derrota do Grão-Vizir Kara Mustafá em 1683, na decisiva batalha de Viena, com todas as probabilidades a história do nosso continente teria sido radicalmente outra. Foi, aliás, a continuação deste risco que determinou o empenho de D. João V quando, em 1717, enviou uma esquadra de seis poderosos navios a ajudar Veneza na batalha naval de Matapan. Mas apesar do avanço militar ter sido estancado, o recuo decisivo apenas foi consumado em 1923, com a retirada turca de quase toda a Península Balcânica e a proclamação da República, sob a liderança secular, modernizadora (leia-se «ocidentalizante») e formalmente democrática de Kemal Atatürk. ler mais deste artigo
O local, o global e a imprensa regional
Na última quinta-feira o jornal desportivo Super Deporte, publicado na capital da Comunidade Valenciana, proclamava a toda a largura da primeira página, a propósito do jogo do Euro-2016 de Portugal contra o País de Gales, que Nani marcara «o seu primeiro golo como jogador do Valência». Na verdade, à hora a que escrevo o futebolista nascido na cidade da Praia mas com nacionalidade portuguesa ainda não assinou sequer o contrato formal com o clube do morcego. Por isso, para além de tecnicamente errado, o título é descabido. O objetivo do jornal é, obviamente, exaltar um certo orgulho local ou regional, ainda que Valência, com os seus 800.000 habitantes, não seja propriamente uma aldeia da comarca de Las Hurdes a precisar de propaganda. ler mais deste artigo
O génio cobarde e o medíocre engenhoso
O Ruído do Tempo, último livro de Julian Barnes, é um romance histórico. Incorporando uma componente ficcional, centrada em particular nos diálogos, nos cenários, nos personagens secundários, no enunciar de subjetividades e, naturalmente, na trama narrativa, possui uma espinha dorsal que é o conhecimento histórico das circunstâncias que envolvem os factos mencionados e a biografia das figuras reais que as povoam. Em algumas obras do género a primeira componente é dominante, mas neste caso isso acontece claramente com a segunda. Barnes seguiu aqui, de forma muito próxima, a vida do compositor russo Dmitri Chostakovich, personalidade central da música do século XX, que viveu sempre uma relação tensa e ambígua como o poder soviético. Nas últimas duas páginas, aliás, refere as fontes históricas das quais principalmente se serviu.
Gira em torno de três momentos nos quais essa tensão emergiu de forma particularmente dramática, aproximando o génio criador da pessoa que a todo o instante teme pelo seu bem-estar e pela sua pele. O primeiro ocorreu em 1936, ano do início dos impiedosos Processos de Moscovo, quando a sua ópera Lady Macbeth de Mtsensk, composta dois anos antes, foi acusada pelo jornal Pravda de se tratar de «chinfrim em vez de música», uma expressão de um inútil formalismo e, por isso, contrária ao dogma artístico do realismo socialista. Incidente que que forçou Chostakovich a uma longa fase de medo físico da prisão ou mesmo da execução, e depois a uma retratação pública que não deixou de o manter ao longo de décadas sob suspeita, cerco e vigilância. ler mais deste artigo
Excesso de tradição e diálogo político
Nas Aventuras de Tom Sawyer, Mark Twain disse ser «fácil justificar uma tradição, mas muito difícil vermo-nos livres dela», dada a força que pode tomar. O historiador Eric Hobsbawm mostrou em 1983 que as tradições são sempre invenções, mais próximas de um certo imaginário cultural que da realidade da vida. Simplificando a interpretação: aquilo que produz uma tradição e lhe confere essa força não é a reprodução das mesmas práticas, supostamente antigas, através do tempo, mas antes a tendência para repetir uma interpretação conservadora enquanto os factos e os contextos se vão transformando. Por isso, tantas vezes é anacrónica e imobilista.
Isto não significa, porém, que funcione apenas como uma prisão, forçando o presente a reproduzir o passado, e que não tenha qualquer valor dentro da vida social. Longe disso. Muitas vezes a tradição pode, no seu sentido verdadeiro – isto é, como a imaginação de uma continuidade cultural forte – cimentar as identidades das nações, dos coletivos, das regiões ou das cidades. Em Coimbra, onde a palavra «tradição» tem um peso muito grande no discurso público, em particular naquele que é veiculado por algumas instituições e por certos setores sociais, bem como pela generalidade da imprensa local, ela desempenha um papel importante, embora complexo e nem sempre consensual, na construção interna e na projeção exterior de uma imagem da cidade. ler mais deste artigo
Euro-2016: anatomia de uma paixão
De cada vez que acontece um grande torneio ou se celebra uma vitória memorável, emergem nas redes sociais – goste-se ou não, com os seus defeitos e capacidades, o lugar onde circula hoje a opinião mais autónoma e plural –, muitas vozes que rejeitam o futebol como desporto de massas e celebração de um prazer ou de uma paixão. Pode ser apenas a demonstração verbal de um legítimo desinteresse por algo de que se não gosta, ou então a rejeição dos gastos e dos negócios obscenos que envolve, ou ainda o natural protesto pelo destaque exagerado e obsessivo que nessas alturas o jogo ocupa nos meios de comunicação.
Outras vezes, porém, é mais que isso, surgindo em certos casos como expressão de repulsa ou mesmo de ódio. Um ódio irracional e agressivo, como todos os ódios, que é diretamente projetado sobre quem o acolhe como praticante ou como adepto. Os argumentos são sempre os mesmos: o futebol será manifestação de despolitização ou de incultura, o reino negro do dinheiro sujo e do desperdício, recreio para rapazes estúpidos ou para fanáticos, pura perda de tempo quando tanto há de «verdadeiramente importante para fazer». Ainda que a vida seja feita também dos vícios e dos nadas que a tornam mais complexa e emotiva. ler mais deste artigo
Escola pública, direitos privados
A ideia de escola pública nasceu com os debates que precederam e acompanharam a Revolução Francesa. E foi também em França que, sob a iniciativa de Jules Ferry, primeiro-ministro e ministro da Instrução Pública da Terceira República, entre 1880 e 1883 ela foi lançada de forma coerente. Pela primeira vez na história, a educação deixava de ser um privilégio concedido a alguns e tornava-se tendencialmente universal e gratuita, perdendo a dependência das instituições de natureza privada, corporativa ou confessional que lhe diminuíam o alcance e a condicionavam. Para além de republicana, era agora laica e plural, passando a assegurar, como um direito, o acesso a um conhecimento e a uma formação que deveria destinar-se a todos os cidadãos. Ocorreram depois avanços e recuos, consoante as épocas e os lugares, mas a tendência tornou-se irreversível, consolidando-se gradualmente nos regimes democráticos. ler mais deste artigo